Capítulo 8.



Cap. 8: "A Queda"

Foram até a mesa no centro da sala de jantar, Victoria ainda dando atenção à Klaus, guiando-o e puxando sua cadeira. Letrado, após alguns segundos de inércia, soltou uma grande nuvem de fumaça que se dissipou revelando seu rosto preocupado, foi lentamente se apoiar de pé em uma das frágeis cadeiras de madeira podre. 
A extrema ansiedade do garoto já estava atacada graças ao trauma com o primeiro contato com um ser artificial pensante, algo como um uncanny valley mental, a "vida" e a morte de um ser artificial inorgânico era suficientemente incômodo para um justiceiro de 16 anos. A tensão colocada no ar pelos dois estava sendo sufocante, desesperadora.  
Em situações de stress, Klaus costuma usar qualquer objeto para alivia-lo, apelou para a faca embainhada à sua cintura. Ele a balançava incessantemente, em uma falha tentativa de se acalmar.  
- Durante um bom tempo, Klaus - começou Lestrade - nós lá do LVPD estivemos de olho em você. Um vigilante, mas... Quem vigia os vigilantes?  
- É assim que me veem? - perguntou ele com um tom sarcástico, batendo a faca na mesa.  
- Continuando - soltou mais uma nuvem de fumaça - eu confio muito em você, e sabe disso, você me alivia minha barra que eu alívio a sua.  
- O pessoal da cidade gosta muito de você - disse, Vi - você faz bem pra este lugar. 
Porém - interrompeu o inspetor - temos medo do que você é capaz. Mesmo você não sabendo, sempre mantivemos você em controle, estávamos de olho em você. 
- Até onde vai esse "de olho em você?" - pergunta Klaus ameaçadoramente, porém preocupado. 
- Nada demais, sua privacidade era igual a de uma pessoa normal, ou seja, nenhuma. 
Klaus abre um sorriso de canto e tenta esconder sua risadinha. 
Era uma questão de segurança pública - explicava o inspetor - porém, perdemos seu rastro por algum tempo. 
- Eu fiquei uma semana desacordado, se é isso que quer dizer - retruca Klaus, pegando novamente a faca - mas disso você já sabe, não? 
Dessa semana inconsciente, nós sabemos - disse Vi - mas tem um pequeno detalhe. 
Que é? 
Klaus começa a se irritar com o interrogatório, porém Lestrade parece abandonar completamente o emocional e pessoal, se torna apenas mais um tirano do governo em serviço. 
- Ficamos sabendo da sua localização quando foi entregue a Richard - continuou Vi - porém não tivemos sua posição por mais de um mês. 
- Como assim? - perguntou ele, guardando a faca e abaixando sua guarda para ela - eu estava falando com você minutos antes de pular e ficar inconsciente. 
- É, Klaus, mas... - ela hesitou. 
- Mas isso já faz um bom tempo - continuou Lestrade, firme em seu discurso - sabe que dia é hoje? 
- Bom, é... - Ele olhou rapidamente para o celular que tirara de seu bolso - hoje é dia 25. 
- E que dia você foi entregue à Richard? - continuou Lestrade como o policial mal. 
- Se foi uma semana... Dia 18? 
- E em que dia você pulou, Klaus? 
- No mesmo dia, não? Dia dezoito. 
- Droga, Klaus! Os meses! - Lestrade bateu fortemente na mesa - Lembre da porra dos meses! 
Sem entender na hora o que Lestrade queria com os meses, ele se encontrou perdido. Quando olhou novamente para seu fino smartphone, olhou diretamente aos detalhes. 19:06, dia 25 de novembro. 
- Novembro?... - Sussurrou Klaus. 
Lestrade recuperou-se e ficou ereto, colou as mãos no bolso e deixou o cigarro na boca. Vi colocou uma das mãos entre as coxas e outra nos ombros de Klaus. 
- Queremos saber o que aconteceu nesse tempo, Klaus - disse Victoria calmamente. 
- Assim como eu também quero - disse Klaus ainda assustado. 
- Como é Klaus? - perguntou Lestrade, realmente confuso. 
- Eu me lembro... Dia 18 de outubro, foi o dia em que eu pulei do prédio... - Klaus mal conseguia falar, sua mente entrava em colapso. 
- Sim, exato, já faz mais de um mês, e não tivemos notícia seu durante todo esse tempo - o inspetor ainda com sua feição padrão - Eu te levei comigo hoje para ver como estava seu estado depois de tudo isso, e... 
- Eu perdi... - Klaus hesita. 
- Aparentemente, você realmente não se lembra de nada. 
O celular na mão de Klaus lentamente desliga entre seus dedos descontraindo, perdendo sua força. O fino dispositivo cai em câmera lenta e no chão fazendo barulho e quebrando, perdendo aquilo em sua memória. Assim como Klaus havia perdido a sua. 
Uma queda. 
A queda. 
Uma grande queda quebra qualquer coisa, até mesmo qualquer um. Assim como o frágil e fino celular de Klaus lentamente caiu de sua mão atingindo o solo, ele se viu em uma situação objetificada, eletrônica, uma simples queda, acabando com sua memória. 
Recapturemos, então, Klaus - disse Victoria, calmamente enquanto o rapaz olhava fixamente para o nada em sua frente, catatônico - quais as últimas coisas que se lembra? 
Após alguns segundos de paciência e silêncio, ela abaixa e pega o celular e vê o, estado de perda total do mesmo, lamenta, porém não muito, se preocupa com o estado de Klaus. 
Enquanto ele ainda tinha os olhos voltados ao nada, ela coloca sua mão no rosto de Klaus e vira ele para si. Meio boquiaberto, Klaus pisca algumas vezes, como se saindo de um transe. À feição de horror em seu rosto assista Victoria, com a mão ainda em seu rosto, ela arruma o cabelo caindo sobre os olhos. 
- Do que você se lembra, Klaus - diz ela com a suavidade que só ela teria. 
- Eu... - ele respira forte - Eu me lembro da perseguição. 
- Em detalhes, Klaus, sem jogos de palavras - exige Lestrade - queremos saber de tudo. 
- Eu sei, é que... O sentimento... 
- Do que? - pergunta ela. 
- Da queda. Ah, droga... A queda! - diz Klaus com irritação - Como?! 
Em sua memória já paranoica e confusa, agora danificada ele tenta buscar logicamente uma explicação, pois deve haver alguma, sempre existe uma explicação lógica e racional para tudo, ou pelo menos deveria. Como é possível sobreviver à uma queda de um prédio de mais de 70 andares? 
- Eu... Simplesmente pulei... – disse Klaus, catatônico – de um prédio de 70 andares e sobrevivi? 
- Aparentemente sim, Klaus – disse Lestrade, apagando o cigarro em sua bota e já pegando outro de seu bolso  Vamos desde o começo. 
- Isso, Klaus, desde o Mario... – disse Vi, calma como sempre. Quase sempre. 

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